Gravidez e coronavírus: evidências atuais
A pandemia pelo novo coronavírus está gerando uma situação de incerteza no mundo todo. Com o avançar dos casos de Covid-19 estamos começando a compreender as manifestações da doença em diversos grupos populacionais, como as gestantes. Para ajudar a responder algumas dúvidas comuns entre as grávidas, reuni abaixo algumas das recomendações e evidências científicas mais recentes nessa área.
Não podemos esquecer que a cada semana novas evidências vão surgindo. Estamos iniciando a compreensão desse novo vírus, e por isso muitos estudos ainda serão necessários para estabelecer uma série de critérios.
Mulheres grávidas têm mais chances de desenvolver complicações devido à Covid-19?
Ao que tudo indica, não, mas as evidências ainda são limitadas para o novo coronavírus. Como as gestantes têm um risco um pouco maior de desenvolver complicações quando expostas a outros coronavírus e à influenza, alguns países as têm colocado no grupo de risco para o novo coronavírus também. Contudo, os relatos pelo mundo mostram que a maioria das grávidas com Covid-19 desenvolvem sintomas leves ou moderados.
No Brasil, recentemente o Ministério da Saúde atualizou seu Protocolo de manejo clínico do coronavírus (Covid-19) na atenção primária à saúde. Segundo o Ministério, “até onde as evidências atuais indicam, gestantes e puérperas não possuem risco individual aumentado. Contudo, medidas devem ser adotadas para proteção da criança. Além disso, gestantes e puérperas tem maior potencial de risco para desenvolvimento de Síndrome Respiratória Aguda Grave por Síndrome Gripal decorrente do vírus da Influenza”.
Por causa disso, o Ministério da Saúde incluiu no grupo de Condições de risco para complicações as grávidas em qualquer idade gestacional e puérperas até duas semanas após o parto (incluindo as que tiveram aborto ou perda fetal).
Gestantes com Covid-19 podem transmitir o vírus para o bebê?
Em fevereiro, um estudo publicado com 9 gestantes com Covid-19 demonstrou que em nenhum caso ocorreu a transmissão vertical. Logo depois, foram registrados dois casos de recém-nascidos com Covid-19, mas não foi possível determinar se a infecção foi adquirida durante a gestação ou depois. Um estudo publicado essa semana (Dong L et al) mostrou o caso de um bebê com teste positivo para a fase aguda de Covid-19 logo após o nascimento. A mãe estava internada com pneumonia causada pela doença. Ou seja, possivelmente nesse caso ocorreu a transmissão vertical, mas ainda precisamos de mais evidências para afirmar se ocorre ou não a transmissão do vírus da mãe para o feto.
Gestantes com Covid-19 devem ter o bebê por cesárea?
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a infecção pelo novo coronavírus por si só não é um indicativo de cesárea, e esta deve ser realizada somente quando necessária. Um estudo avaliou a presença do vírus na secreção vaginal de uma mulher com Covid-19 e o resultado foi negativo.
O recém-nascido de uma mãe com Covid-19 corre riscos?
Existem poucos relatos desses casos até o momento, mas ao que tudo indica, em geral os bebês ficam bem. Um trabalho publicado essa semana (Zhen L et al) analisou 33 recém-nascidos de mães com Covid-19, e três deles testaram positivo para o vírus e desenvolveram pneumonia (nesses casos não sabemos se o contágio ocorreu durante a gravidez ou após o parto).
Mulheres com Covid-19 podem amamentar?
Sim. Não há registros de presença do vírus no leite materno. Contudo, a mulher deve usar precauções de higiene, como lavagem das mãos, e preferencialmente usar uma máscara enquanto amamenta. As mesmas recomendações são indicadas para segurar e manipular o bebê.
Mulheres com Covid-19 podem segurar seus bebês?
Sim, mas recomenda-se que tomem as precauções de higiene necessárias, conforme comentado anteriormente, além de sempre higienizar as superfícies de contato do ambiente.
Atualizações:
Mais uma pesquisa sobre a possibilidade de ocorrer a transmissão vertical (da mãe para o feto) do novo coronavírus foi publicada: pesquisadores divulgaram o caso de uma mulher de 41 anos, grávida de 33 semanas, que chegou a um hospital peruano com sintomas de insuficiência respiratória. Os sintomas haviam iniciado há 4 dias e foram realizados testes para o novo coronavírus na admissão do hospital. O resultado do teste de PCR, que avalia a presença do vírus, foi positivo.
A gestante foi internada e no dia seguinte os sintomas pioraram, sendo necessário iniciar a ventilação mecânica (importante mencionar que a maior parte das gestantes têm sintomas leves) . Foi realizada uma cesárea e o bebê foi imediatamente colocado em isolamento. Não houve clampeamento tardio do cordão, nem contato pele a pele com a mãe. O resultado do teste de PCR do bebê, realizado 16 horas após o parto, foi positivo. A sorologia IgM, que mede a presença de anticorpos da fase aguda, foi negativa. Ao que tudo indica, esse é o primeiro relato de resultado positivo de PCR em recém-nascido logo após o parto!
O estudo tem algumas limitações (como grande parte dos trabalhos que têm sido publicados nessa área, pois estamos longe das condições ideais de pesquisa): o material para o teste de PCR no bebê deveria ter sido coletado mais cedo, e não foi avaliada a presença do vírus no líquido amniótico. Por isso, apesar de ter sido levantada a SUSPEITA da ocorrência de transmissão vertical, ainda não podemos COMPROVAR que de fato ela ocorreu. Com isso, continuamos com o cenário de antes: a maior parte das evidências até agora mostra que o vírus não é transmitido para o feto durante a gestação.
Atualizações da última semana de abril:
Sobre a transmissão do vírus da mãe para o feto, um novo trabalho analisou essa possibilidade nas fases iniciais da gestação. Foram avaliadas somente 2 gestantes: ambas com Covid-19 no primeiro trimestre e com acometimento pulmonar. No segundo trimestre foi realizada a coleta do líquido amniótico das gestantes, no qual analisaram a presença do vírus e dos anticorpos, sendo negativo em todos os casos. Ou seja, é mais um indício de que não ocorre a transmissão vertical do vírus.
Duas revisões agruparam trabalhos com casos de gestantes diagnosticadas com Covid-19, em geral sintomáticas (lembremos que a maior parte das gestantes é assintomática). Na primeira revisão foram selecionadas 6 pesquisas que incluíram 48 mulheres até o momento do parto: 46 tiveram cesárea e 2 tiveram parto vaginal (uma às 34 semanas e outra às 31 semanas, de gêmeos). Houve um caso de morte intrauterina e uma de recém-nascido.
Na segunda revisão avaliaram 33 estudos com 385 gestantes (da Ásia, Europa e EUA), das quais 17 necessitaram UTI. Foram acompanhados 252 partos (70% cesáreas), dos quais 39 foram prematuros, e foram registradas duas mortes fetais e uma de recém-nascido, de pacientes muito graves.
Alguns estudos mostram uma associação entre Covid e parto prematuro, porém, não está determinado se esse efeito é pelo vírus em si ou se ocorre devido à realização de cesáreas eletivas antecipadas por piora ou receio de piora dos sintomas das gestantes.
Outra revisão publicada essa semana sugere que o índice de parto prematuro espontâneo não é aumentado pela Covid-19 (embora existam resultados contrários em outras pesquisas). Aguardemos os próximos estudos, incluindo os brasileiros.
Mais uma pesquisa nova sobre Covid no segundo trimestre da gestação:
O trabalho em questão é um relato de caso de paciente com 28 anos, gestante de 19 semanas, obesa e que estava em isolamento domiciliar com Covid, sem pneumonia. Quatro dias após início dos sintomas ela chegou ao hospital (na Suíça) com contrações e dilatação cervical. O feto tinha movimentação ativa, mas apresentava taquicardia e nasceu por parto vaginal já sem vida. Foi pesquisada a presença do coronavírus no bebê e foi NEGATIVA. Foi testada também a porção fetal da placenta (próxima ao cordão umbilical) e considerada POSITIVA. A análise da placenta revelou inflamação na área do cordão umbilical.
É levantada a possibilidade de que o novo coronavírus pudesse atravessar a barreira placentária, causando inflamação e insuficiência placentária – o que já foi demonstrado para outro coronavírus (causador da MERS). É a primeira vez que o novo coronavírus é detectado na placenta, mas esse é o estudo de um único caso e mesmo assim outras condições de aborto espontâneo não podem ser totalmente descartadas.
Lembremos também que a maior parte das gestantes com Covid-19 é assintomática, e que infelizmente desfechos desfavoráveis como esse podem ocorrer em outras situações, sendo sempre casos pouco comuns e isolados. Estamos lidando com um vírus novo e que sabemos muito pouco, por isso devemos aguardar mais pesquisas, e o mais importante: proteção e prevenção sempre!
Atualizações da primeira quinzena de maio:
Nas últimas duas semanas tivemos mais de 50 artigos científicos publicados sobre Covid-19 em gestantes, puérperas e recém-nascidos. Nem todos trazem casos ou informações novas, mas analisando algumas das revisões e relatos, temos:.
O cenário das semanas anteriores, em que o maior percentual de gestantes com coronavírus é assintomática ou tem sintomas leves, persiste. Porém, tivemos um aumento no número de casos de gestantes e puérperas em estado grave. Infelizmente, casos de mortes devido à Covid-19 nessa população também começam a aparecer na literatura científica e nos registros oficiais de alguns países.
Com o avançar da pandemia, é natural que apareçam mais casos graves e óbitos em toda a população. Mas além disso, alguns trabalhos mostram que gestantes e mulheres no puerpério podem ter um risco maior de complicações. Na Suécia, uma análise de mulheres entre 20 e 45 anos com doença grave revelou que gestantes e puérperas têm 5 vezes mais chances de serem hospitalizadas na UTI devido à Covid-19.
Lembremos que as primeiras pesquisas mostravam somente os casos da China, onde a pandemia se iniciou, e não relatavam casos de óbitos em gestantes ou puérperas. Em seguida começamos a ter dados obtidos majoritariamente na Itália, em outros países da Europa e então nos Estados Unidos. Em breve teremos pesquisas apontando a situação no Brasil, mas já temos registros aqui de casos de óbitos em mulheres no pós-parto. Além da taxa de natalidade ser diferente nesses países (no Brasil temos 14 nascimentos por mil habitantes, e na Itália, somente 8), cada um tem também diferentes características econômicas, sociais e de atendimento à saúde, que podem influenciar na quantidade e na severidade dos casos registrados.
Por isso, tem sido recomendado que gestantes e puérperas adotem todas as medidas de prevenção contra o coronavírus, além do isolamento social. Deixemos as visitas e os passeios pra depois, para o bem das grávidas e de seus bebês.
Referências dos estudos científicos:
Chen H et al. Clinical characteristics and intrauterine vertical transmission potential of COVID-19 infection in nine pregnant women: a retrospective review of medical records. The Lancet. 395(10226), 2020. DOI:https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30360-3
Dong L et al. Possible Vertical Transmission of SARS-CoV-2 From an Infected Mother to Her Newborn JAMA, 2020. DOI:10.1001/jama.2020.4621
Ministério da Saúde, Protocolo de manejo clínico do coronavírus (Covid-19) na atenção primária à saúde. Brasil, 2020
Zeng L et al. Neonatal Early-Onset Infection With SARS-CoV-2 in 33 Neonates Born to Mothers With COVID-19 in Wuhan, China. JAMA Pediatr, 2020. DOI:10.1001/jamapediatrics.2020.0878
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