Quais são os efeitos da maconha no feto?
Antes de iniciar esse texto que pode ser polêmico, vale deixar claro que aqui não julgaremos quem usa maconha. Vamos aos fatos: algumas mulheres fumam maconha, algumas mulheres bebem álcool, outras usam drogas mais pesadas – e muitas dessas mulheres ficam grávidas, seja de forma planejada ou não. Estudar os efeitos de cada substância no desenvolvimento fetal é extremamente importante e os resultados que a ciência encontra podem servir de base para o desenvolvimento de políticas de saúde. Na semana passada, o periódico cientifico da Associação Médica Americana publicou uma série de trabalhos nessa temática.
Em uma das pesquisas os autores demonstraram que o uso de maconha por mulheres grávidas nos Estados Unidos mais do que dobrou, quando se analisa o consumo reportado entre os anos de 2002 e 2017.
O maior índice de uso foi durante o primeiro trimestre da gestação, chegando a 12% das grávidas! Vale lembrar aqui que muitos estados norte-americanos aprovaram o uso medicinal da maconha para náuseas e vômitos, mas a maioria das participantes do estudo relataram que não obtinham a droga através do programa de uso medicinal. Ou seja, TALVEZ essas mulheres fizessem uso recreativo, sem saber que estavam grávidas.
Há algum tempo já se sabe que o THC, um dos princípios ativos da maconha, pode atravessar a barreira placentária. E o que essa maconha consumida durante a gravidez pode causar no feto? Alguns estudos anteriores não demonstraram riscos evidentes. Outros raros estudos apontaram uma tendência para menor peso ao nascer e parto prematuro, mas em muitas das pesquisas as mulheres faziam uso da maconha associada ao álcool ou ao cigarro, tornando difícil a análise do seu efeito isolado. Ou seja, fica bem clara aqui a necessidade de estudar se o consumo isolado da maconha durante a gestação pode causar alguma alteração no desenvolvimento fetal.
O estudo publicado semana passada incluiu mais de 100 mil mulheres que tiveram filhos em Ontário (Canadá) entre 2002 e 2017, das quais 5.639 reportaram usar maconha durante a gestação. O consumo de maconha aumentou significativamente o risco de: parto prematuro (o índice de parto prematuro foi de 10,2% nas mulheres que consumiam e 7,2% nas que não consumiam), restrição de crescimento fetal (que ocorreu em 6,1% das mulheres que consumiam e 4% das que não consumiam) e necessidade de transferência do bebê para UTI neonatal (apesar desse aumento no risco ser pequeno). Por outro lado, o uso de maconha foi associado com um também leve efeito protetor contra a pré-eclâmpsia e diabetes gestacional.
Parece que esse cenário ainda está longe de ser conclusivo. É claro que são necessárias mais pesquisas para comprovar essas evidências, e estudos que não sejam somente associativos. Devido ao aumento no risco para parto prematuro e baixo peso ao nascer, que já era reportado em alguns estudos anteriores, as associações médicas norte-americanas continuam com a recomendação de desencorajar o uso de maconha durante a gestação. O que precisamos também é de apoio às pesquisas, já que podemos ter uma esperança de que o isolamento de princípios ativos e seu uso de forma padronizada e controlada possam trazer benefícios.
Artigos científicos citados no texto:
Corsi DJ et al. Association Between Self-reported Prenatal Cannabis Use and Maternal, Perinatal, and Neonatal Outcomes. JAMA, 2019. doi:10.1001/jama.2019.8734.
Volkow ND et al. Self-reported Medical and Nonmedical Cannabis Use Among Pregnant Women in the United States. JAMA, 2019. doi:10.1001/jama.2019.7982.