Ácido fólico e autismo
A suplementação de ácido fólico é recomendada geralmente para as mulheres tentantes e para as grávidas no período inicial da gestação. Como já comentei no post passado, o ácido fólico é a melhor prevenção conhecida para evitar os defeitos de fechamento do tubo neural, como anencefalia e espinha bífida. Porém, há algum tempo começou a ser veiculada uma notícia de que o excesso de ácido fólico estaria relacionado com maior risco para autismo. Será mesmo verdade?
Na verdade o que alguns pesquisadores encontraram foi uma associação entre os NÍVEIS SANGUÍNEOS elevados de folato e um maior risco para autismo (e isso em uma pequena análise ainda não totalmente comprovada). Agora, o ponto chave: existe uma diferença muito grande entre a suplementação de ácido fólico e os níveis sanguíneos de folato. E Por que? Porque nem todas as mulheres metabolizam o ácido fólico da mesma maneira!
Existem variantes genéticas presentes em parte da população que podem fazer a absorção do ácido fólico ser diferente. Possíveis razões já conhecidas são os polimorfismos do gene MTHFR, responsável por codificar uma enzima que atua em nosso organismo no metabolismo do ácido fólico.
Aqui é necessário ressaltar que o ácido fólico dos suplementos é sintético. Quando o ingerimos, ele precisa ser convertido para a forma metabolicamente ativa, o 5-metil-tetrahidrofolato. A enzima MTHFR participa desse processo. No caso das mutações em MTHFR, o que pode acontecer? Se a metabolização do ácido fólico não for completada, a quantidade de folato disponível poderá não ser suficiente para o crescimento e desenvolvimento correto do feto. Outra complicação da deficiência de folato é uma elevação nos níveis de homocisteína, que está relacionada com complicações durante a gravidez, como abortos espontâneos, pré-eclâmpsia e descolamento da placenta.
Ou seja, o problema não está na suplementação de ácido fólico em si, mas sim na capacidade da mulher em metabolizá-lo corretamente. Por isso, em alguns casos, é recomendado que mulheres com histórico de abortos de repetição, pré-eclâmpsia ou que tiveram fetos com defeitos do tubo neural façam testes genéticos para avaliar possíveis mutações no MTHFR. Alguns profissionais recomendam fortemente que no caso de algumas mutações específicas, não seja feito o uso do ácido fólico, mas sim de suplementos de L-metilfolato ou ácido folínico, que são metabólitos do ácido fólico.
O que é muito importante frisar é que a MAIORIA dos trabalhos científicos encontra resultados positivos entre a suplementação de ácido fólico e um MENOR risco para autismo. Isso funciona para a maioria da população, que metaboliza adequadamente o ácido fólico, deixando o folato em níveis suficientes para a demanda do feto em desenvolvimento. Um estudo de 2016, por exemplo, revisou vários trabalhos publicados para avaliar a relação entre a suplementação com ácido fólico e prevenção de alterações do neurodesenvolvimento. Dos 22 trabalhos encontrados, 15 mostraram efeito benéfico da suplementação na redução do número de crianças diagnosticadas com autismo; seis trabalhos não encontraram associação e apenas um demonstrou uma associação positiva da suplementação de ácido fólico com maior risco para autismo. Porém, esse estudo avaliou apenas 77 crianças e as mães faziam uso de altas doses de ácido fólico, acima de 5 mg, o que é mais do que 10 vezes a quantidade diária normalmente recomendada.
Vale ressaltar que nós ainda precisamos de novas pesquisas para responder com clareza qual o papel exato do ácido fólico no neurodesenvolvimento, além de compreender melhor todas as causas dos defeitos no fechamento do tubo neural (a deficiência de folato é uma delas, porém não é a única). Por enquanto, o que podemos retirar dos trabalhos existentes é que a suplementação de ácido fólico continua sendo excelente para prevenir muitos casos de alterações morfológicas e até cognitivas. Porém, SE a mulher não consegue processar o ácido fólico corretamente, o ideal seria usar suplementos de outros metabólitos da cadeia do folato, como os que foram mencionados anteriormente.
Referências científicas para saber mais:
Gao Y et al. New Perspective on Impact of Folic Acid Supplementation during Pregnancy on Neurodevelopment/Autism in the Offspring Children – A Systematic Review. PLoS One. 22;11(11):e0165626, 2016.
Valera-Gran D et al. Folic acid supplements during pregnancy and child psychomotor development after the first year of life. JAMA Pediatrics. 168(11):e142611, 2014.
Scholl OT, Johnson WG. Folic acid: influence on the outcome of pregnancy. American Journal of Clinical Nutrition 71(suppl):1295S–1303S, 2007.