Espessantes e emulsificantes podem fazer mal à saúde?
Você tem o bom hábito de ler os rótulos de alimentos que consome? Se sim, já deve ter visto inúmeras vezes a presença de emulsificantes, espessantes e estabilizantes como: polissorbatos, carboximetilcelulose e goma xantana. Essas substâncias são usadas de modo geral para “espessar” e “dar liga” a diversos produtos alimentícios, desde pães até sucos.
Podemos encontrá-las em quase tudo, desde em porcarias industrializadas até em produtos com apelo saudável para crianças e adultos. E será que o consumo desses produtos acarreta prejuízos à saúde de crianças e adultos? Quanto à goma xantana, estudos em animais demonstram que o maior prejuízo do consumo elevado parece ser um certo amolecimento das fezes. Em humanos, parece acontecer apenas o mesmo sintoma após altas doses, mas um trabalho observou que o consumo excessivo pode alterar a microbiota intestinal.
O nosso trato intestinal é colonizado por inúmeras bactérias, que chamamos de microbiota intestinal. Cada vez mais tem sido descobertas associações entre alterações na composição da microbiota e doenças inflamatórias crônicas, como doenças inflamatórias intestinais e a síndrome metabólica (também relacionada à obesidade).
Portanto, apesar de ainda não haver indícios que a goma xantana induza algum prejuízo à nossa saúde, não conhecemos a fundo seus efeitos a longo prazo. Um alerta importante fica sobre o uso de fórmulas lácteas com goma xantana em bebês prematuros. Duas pesquisas de 2012 revisaram casos de desenvolvimento de enterocolite necrotizante, uma grave doença que pode levar à morte, em bebês prematuros que consumiram fórmula contendo goma xantana como espessante. Ainda não foi possível estabelecer um mecanismo para isso, mas acredita-se que a causa da doença tenha sido a alteração na microbiota provocada pela goma xantana no intestino ainda imaturo dos bebês. Portanto, como precaução, recomenda-se não consumir produtos espessados com goma xantana até 1 ano de idade.
Outros espessantes muito utilizados pela indústria alimentícia são o polissorbato 80 e a carboximetilcelulose. Uma pesquisa feita em animais e publicada na revista Nature (uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo) em 2015, revelou que esses dois emulsificantes alteram drasticamente a composição da microbiota intestinal, levando à uma discreta inflamação do intestino que pode gerar obesidade, síndrome metabólica e doenças inflamatórias intestinais crônicas.
Nesse trabalho, os pesquisadores administraram o polissorbato 80 e a carboximetilcelulose em camundongos, em doses que seriam facilmente atingidas com a ingestão de alimentos processados. Além da alteração na composição da flora intestinal após o consumo dos emulsificantes por 12 semanas, os camundongos apresentaram sobrepeso e aumento na gordura abdominal. Ainda, quando foram utilizados camundongos que apresentavam uma alteração genética que os predispõe ao desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais crônicas, os animais de fato desenvolveram colite. Esse trabalho foi bem importante, pois tanto a incidência de obesidade quanto as inflamações crônicas do intestino têm aumentado muito nas últimas décadas, principalmente em países desenvolvidos e em desenvolvimento, onde (coincidentemente ou não) as opções de alimentos industrializados crescem a cada dia.
Esses dados acedem o alerta de que a obesidade pode estar mais relacionada com a QUALIDADE do que com a QUANTIDADE dos alimentos que consumimos.
Claro que esse último estudo ainda é experimental, mas é preciso lembrar que existem muitas semelhanças entre os modelos animais de inflamação intestinal em camundongos e as doenças inflamatórias intestinais crônicas em humanos (como a colite ulcerativa e a Doença de Crohn). Além disso, esse mesmo grupo de cientistas trabalhou nos últimos dois anos em outros experimentos que corroboram esses achados, ajudando a esclarecer que as mesmas alterações podem ocorrer no intestino humano. Quando eles avaliaram o efeito do polissorbato 80 e da carboximetilcelulose em um modelo que simula o ecossistema da mucosa intestinal humana, observaram que ambos emulsificantes aumentam o potencial pró-inflamatório da microbiota. Outro achado super interessante é que quando a microbiota previamente tratada com os emulsificantes é transplantada para o intestino dos camundongos, os animais passam a apresentar as mesmas alterações vistas anteriormente: sobrepeso, aumento na circunferência abdominal e na atividade inflamatória intestinal.
Por todas essas razões, vale a pena ficarmos mais atentos ao que consumimos e ao que oferecemos aos nossos filhos, além de criar o hábito de sempre lermos os rótulos!
Referências dos artigos científicos para saber mais: Chassaing B et al. Dietary emulsifiers directly alter human microbiota composition and gene expression ex vivo potentiating intestinal inflammation. Gut, in press, 2007. DOI: 10.1136/gutjnl-2016-313099.
Chassaing B et al. Dietary emulsifiers impact the mouse gut microbiota promoting colitis and metabolic syndrome. Nature. 519(7541):92-96, 2015.
Woods CW et al. Development of necrotizing enterocolitis in premature infants receiving thickened feeds using SimplyThick. J Perinatol 32(2):150-152, 2012.
Beal J. Late onset necrotizing enterocolitis in infants following use of a xanthan gum-containing thickening agent. J Pediatr 161(2):354-356, 2012.
Daly J et al. The effect of feeding xanthan gum on colonic function in man: correlation with in vitro determinants of bacterial breakdown. Br J Nutr. 69(3):897-902, 1993.